Desafios da Educação em tempos de COVID-19: "Lembrei-me que sei de coisas que às vezes me esqueço!"

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Coronavírus (COVID-19)
Educação à Distância
Português

Se estiver neste momento a fazer scroll down e pelo tamanho da publicação já decidiu ler apenas um tópico, aconselho o 3. É só a minha opinião (esta e o tópico 3). 
Parece que foi preciso sentir na pele as consequências (poucas!) de um momento de crise (pandemia da COVID-19) para  participar, pela primeira vez, num evento dinamizado pela ReLus e pela INEE, sendo membro da comunidade desta última há já alguns anos!
Partilho agora algumas considerações sobre a minha participação no webinar sobre “Reflexões sobre práticas e obstáculos da Educação à distância em contexto de pandemia da COVID-19”, e que sugiro vivamente a que assista: Reflexões sobre a educação à distância em contexto de Covid-19


Faço, então, um breve resumo, onde explano tópicos relatados sobre 1) Principais desafios e obstáculos sentidos; e 2) Partilha de soluções encontradas/ colocadas em prática, e o 3) O que eu senti e penso sobre o assunto.

O webinar contou com a participação de cerca de 90 pessoas, espalhadas pelo mundo e sobretudo da comunidade de língua portuguesa. Decorreu com a apresentação sobre as vivências das respetivas realidades de três oradoras e um orador; um momento para perguntas e respostas; discussão em pequenos grupos e regresso a plenário para apresentação de conclusões.

1) Principais desafios e obstáculos sentidos

De Moçambique:

  • Desigualdades económicas, geográficas e sociais (que já se faziam sentir anteriormente à pandemia).
  • Falta de energia elétrica.
  • Rendimentos escassos não permitem obter (fotocópias) materiais de estudo.
  • Dificuldade em manter os alunos e alunas em casa.
  • Abrangência das intervenções (tamanho do país).
  • Preparação do retorno seguro às escolas (garantindo a aquisição de competências/ currículo).

De Timor-Leste:

  • Dificuldade em chegar a alguns alunos e alunas, por morarem em zonas bastante remotas (ex: acesso a materiais).
  • Dificuldades de acesso à informação por parte de alunas e alunos que residem em zonas mais remotas (ex: sem acesso a internet).

De Portugal:

  • “Tiraram” os professores e professoras da zona de conforto (sala de aula).
  • Requerimento de valências muito heterogéneas.
  • Medos que surgiram em todas as pessoas envolvidas (professores/as, alunas/os, pais/ mães/, educadoras/es), como por exemplo, a relação com o uso da tecnologia.
  • Desafio em manter ligação com os alunos e alunas, mantê-los motivados, e com vontade de aprender.
  • A avaliação.

Do Brasil:

  • Enorme desigualdade social.
  • 47 milhões de estudantes fora do ensino à distância.
  • Ensino remoto não chega a pessoas indígenas, sem teto, em zonas rurais, com dificiência, “sem terra”.
  • Acréscimo da necessidade em “humanizar a humanidade”, integrando o trabalho de valores fundamentais nos programas curriculares.
  • Necessidade da atuação dos Governos, da sua intervenção, disponibilização de equipamentos e conhecimentos (democratização) a professores e professoras, a alunas e alunos e à sociedade.
  • Falta de formação às e aos docentes sobre ensino à distância/ remoto.

2) Partilha de soluções encontradas/ colocadas em prática

De Moçambique:

  • Impressão de materiais que fazem chegar aos alunos e alunas.
  • Aulas através da televisão pública e rádio, com difusão bilingue.
  • Acréscimo de prevenção com aumento de práticas de higiene.

De Timor-Leste:

  • Distribuição de livros escolares em áreas remotas.
  • Aulas via rádio e televisão (para pré-escolar, 1º e 2º Ciclos), com instruções simples para os pais/ mães poderem apoiar.
  • Conteúdos via Youtube e Facebook. 
  • Disponibilização de alguns materiais e livros online, possíveis de serem descarregados gratuitamente.
  • Sistema de SMS gratuito, pelo qual alunas e alunos de 3ºCiclo e Secundário recebem informação sobe sites, entre outros.
  • Linha de apoio (SMS) para colocar dúvidas (sobre o ensino).
  • Preparação de materiais e resumos que não estão disponíveis nos manuais gratuitos.
  • Vídeos online para o ensino secundário.

De Portugal:

  • Identificação de vulnerabilidades resultantes do contexto, como alimentação, habitação, higiene, segurança.
  • Práticas pedagógicas (inovação).
  • Enfoque no trabalho de desenvolvimento do lado humanista dos alunos e alunas.
  • Os desafios advindos da avaliação das aprendizagens neste contexto, poderá ser bom para reestruturar as práticas educativas.

Do Brasil:

  • Distribuição de cestas alimentares (há muitos alunos e alunas que vão à escola sobretudo para se alimentar.

3) O que EU senti e penso sobre o assunto

Convenhamos...para mim é fácil! Moro em Portugal, numa cidade, com acesso a basicamente tudo. Dou-me ao luxo de ficar irritada se um site a que quero aceder demora 30 segundo a abrir (porque nem pondero não ter acesso à internet ou a eletricidade!). Tenho um teto, sei de onde virá a comida para hoje e para os próximos meses.
E por isso devo estar feliz e não querer mais da vida?! Não, nada disso. É tudo perfeito e maravilhoso na minha vida?! Não, nem tudo é perfeito. Mas sei que estou muito bem.

Ao participar neste webinar, lembrei-me que sei de coisas que às vezes me esqueço!
Não minimizando, de forma nenhuma, os efeitos diretos do novo coronavírus, aquilo que mexeu comigo foi o relembrar o que faz com que os assuntos trazidos à tona pela pandemia da COVID-19, continuem a existir: profundas desigualdades sociais, escassez de acesso a bens primários, existência de enormes discrepâncias dentro dos próprios países, entre tantas outras questões.
É incrível...assim como há consequências, desafios e respostas iguais ou muito semelhantes nos diferentes países do mundo, também são de notar as diferentes preocupações emergentes em cada um deles.
Não é novo bem sei. E isso é que é preocupante.

Ainda que os desafios e obstáculos apresentados neste webinar estejam “limitados” à perceção individual e escolhas de quem os partilhou, não deixa de ser “curioso” observar o tipo de preocupações explanadas em cada país, assim como as respetivas soluções e propostas face às emergências sentidas, que, evidentemente, são de natureza e níveis bem diferentes.
Não minimizo nenhum (por variadíssimas razões). Apenas partilho a sugestão de reflexão. 
Considero-me uma pessoa minimamente informada, com consciência de muitas coisas sobre o mundo e o que nele acontecem (e que não acontecem!!!), e a verdade é que é demasiado fácil, por vezes, esquecer-me de algumas realidades. E não pode acontecer. Porque o meu esquecimento individual contribui para a perpetuação coletiva destas desigualdades.
...gosto até mais da (palavra) equidade. De empatia. De justiça. De paridade. 
Porque, muitas vezes, a igualdade é bastante desigual!

Seria bom que mais pessoas quisessem e decidissem assistir a webinars deste género; que conversassem, que ouvissem, que lessem mais sobre o mundo. 
As diferentes vivências podem fazer surtir soluções e ideias semelhantes mas também muito diferentes e daí a riqueza da PARTILHA. A partilha é importantíssima.
A Partilha, por vezes, não só de conhecimentos técnicos e ideias concretas, mas também aquela partilha que aquece a alma. De termos alguém do outro lado a ouvir-nos. A falar sobre as angústias de um país, de uma classe profissional, de uma pessoa. De pessoa para pessoa.


O mundo não tem escassez. Quanto muito, pode haver escassez de vontade política, de empatia, de vontade; alguma inversão de valores (no meu ponto de vista), distorção sobre prioridades, um olhar onde as pessoas não cabem todas de forma idêntica. 
Por isso, eu acredito na Educação como uma forma poderosíssima de “mudar o mundo”. E ela é feita de forma subtil e continuada. Com amor.
E sei que uma forma de amar é participar num webinar em que muitas pessoas, de diferentes países, estão preocupadas, gerérica e genuinamente, em descobrir e partilhar formas de como não deixar nenhuma aluna e nenhum aluno e/ou família para trás.