Deslocações Forçadas
As crianças e jovens migrantes e deslocados à força podem enfrentar barreiras específicas no acesso à educação relacionadas com a sua situação relativa à migração, ao estatuto legal e ao seu direito a e apoio à inclusão socioeconómica.
A coleção de recursos que se apresenta nesta secção, foca-se nos tópicos relacionados com as crianças e jovens que tenham migrado por razões económicas, que estejam sozinhos ou com as suas famílias (migrantes); que sejam deslocados à força (deslocados internos); que estejam em risco por ausência de nacionalidade (apátridas); ou que tenham retornado ao seu país de origem depois de serem forçados a deslocar-se noutro país (repatriados).
Migrante
Embora não exista uma definição legal formal de migrante internacional, a maioria dos especialistas concordam que se considera migrante internacional alguém que muda de residência habitual para outro país, independentemente do motivo da deslocação ou do seu estatuto legal. É geralmente feita uma distinção entre migração de curto prazo ou temporária - abrangendo deslocações com uma duração entre 3 e 12 meses e migração de longo prazo ou permanente, referente a uma mudança de país de residência por um período de um ano ou mais.
À data de junho de 2019, contavam-se 271,6 milhões de migrantes internacionais, 28,4 milhões ou 14% das e dos quais com menos de 20 anos. Os dados recolhidos mostram que há uma grande probabilidade que imigrantes abandonem a escola de forma precoce. Em 2017, na União Europeia, 19% das pessoas com idades entre 18 e 24 anos nascidas em países estrangeiros tinham abandonado a escola cedo, em comparação com uma taxa de abandono de 10% no que se refere a nativos.
Pessoa deslocada internamente (PDI)
Entende por PDI, uma pessoa que tenha sido forçada a fugir da sua casa ou local de residência habitual, sem que tenha atravessado uma fronteira nacional reconhecida internacionalmente.
Em 2018, foram registados em 148 países e territórios um total de 28 milhões de novos casos de deslocação. Desses, 10,8 milhões de pessoas foram forçadas a deslocar-se por causa de situações de conflito em 42 países; e 17,2 milhões de pessoas foram forçadas a deslocar-se por causa de catástrofes decorrentes de desastres naturais em 146 países. No final de 2018, 41,3 milhões de pessoas foram registadas como deslocadas devido a conflitos e manifestações de violência em 55 países monitorizados pelo IDMC. O número exato de crianças que vivem em situação de deslocação interna a nível mundial é desconhecido, mas, no final de 2018, estimava-se que fossem mais de 17 milhões no final de 2018, em resultados de conflito e violência, e outros milhões devido a desastres. Existe uma séria lacuna de dados relacionados com a educação de crianças e jovens deslocados internos.
Apátrida
Entende-se por apátrida, uma pessoa que não é considerada cidadã nacional por nenhum Estado nos termos da sua lei (Convenção de 1954 sobre o estatuto de apátridas). Nem todas as pessoas apátridas são deslocadas. Enquanto algumas pessoas nascem apátridas, outras tornam-se apátridas ao longo das suas vidas.
Os dados de ACNUR para o ano de 2017 referem a existência de 3,9 milhões de apátridas a nível mundial. Isso significou um aumento face ao ano anterior, em que um total de 3,2 milhões de apátridas foi registado segundo a estatística da mesma agência. A falta de dados é um desafio significativo na resposta aos desafios que esse estatuto representa e o ACNUR estima que pelo menos 10 milhões de pessoas, a nível mundial, sejam apátridas.
Repatriado/a
Entende-se por repatriada, uma pessoa que foi alvo de preocupação do ACNUR enquanto estava fora do seu país de origem e que permanece a ser acompanhada, por um período limitado (geralmente dois anos), após o seu regresso ao país de origem. O termo aplica-se também a pessoas deslocadas internamente que regressaram ao seu local de residência anterior.
Em 2018, o número de pessoas refugiadas que regressaram aos seus países de origem foi de 593.800. Isso constitui um declínio em comparação com 667.400 pessoas em 2017, especialmente se consideramos que a população de pessoas refugiadas continuou a aumentar. O movimento de regresso à Síria constituiu o maior número de pessoas com este estatuto em 2018 – regressaram 210.900 pessoas refugiadas, a maioria relatada como vindo da Turquia (177.300). Em 2018, as pessoas refugiadas regressaram a 37 países de origem, saindo de 62 países de asilo, conforme relatado pelos serviços do ACNUR e após conciliação dos números de partidas e de chegadas.
A temática das barreiras à educação das pessoas refugiadas e das pessoas requerentes de asilo é tratada noutra coleção que diz respeito à deslocação forçada entre fronteiras.
Refugiado/a: Entende-se por pessoa refugiada aquela que, devido ao medo fundamentado de perseguição por um ou vários dos motivos específicos elencados na Convenção de Genebra de 1951 relativa aos Direitos dos Refugiados, está fora do país da sua nacionalidade e é incapaz ou não está disposta, por si só, a recorrer aos sistemas de proteção desse país.
Todas as pessoas refugiadas enquadram-se no mandato de proteção do ACNUR, embora as pessoas refugiadas da Palestina possam usufruir de uma agência das Nações Unidas própria, a UNRWA (Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina). As pessoas refugiadas Palestinianas são definidas enquanto "pessoas cujo local de residência habitual tenha sido a Palestina durante o período de 1 de junho de 1946 a 15 de maio de 1948, e que perderam tanto a casa quanto os meios de subsistência como resultado do conflito de 1948".
Requerente de asilo: Entende-se por requerente de asilo, uma pessoa que procura proteção internacional e cujo pedido do estatuto de pessoa refugiada ainda não lhe foi atribuído.
Deslocações Forçadas e Educação
Fenómenos de migração e a deslocação forçada interagem com a educação a vários níveis e de várias maneiras. A falta de acesso a uma educação inclusiva e equitativa, bem como a falta de qualidade da educação afetam todas as pessoas que se deslocam, as que ficam, as que regressam e as que são acolhidas enquanto imigrantes, refugiadas ou outro tipo de populações deslocadas.
Movimentos de migração interna afetam sobretudo os países de rendimento médio em rápida urbanização, como por exemplo a China, onde mais de uma em cada três crianças no meio rural é abandonada pelos pais que migram. A migração internacional afeta sobretudo países de alto rendimento, em que os imigrantes representam pelo menos 15% da população estudantil em metade das escolas. Também afeta os países de envio: mais de um em cada quatro países vê pelo menos um quinto dos seus cidadãos e cidadãs nacionais qualificadas emigrarem (Relatório GEM, 2019).
A deslocação forçada afeta principalmente os países de baixo rendimento, que abrigam 10% da população mundial, incluindo 20% da população mundial de pessoas refugiadas, geralmente nas áreas com mais lacunas nos serviços educativos disponíveis. Mais da metade das pessoas deslocadas à força têm menos de 18 anos (Relatório GEM, 2019).
Os professores e as professoras têm de lidar com salas de aula multilingues; as barreiras linguísticas para essas crianças e jovens costumam ser um grande obstáculo ao acesso e ao sucesso nos seus processos educativos. O trauma que afeta as e os estudantes migrantes e deslocados e o impacto que o mesmo causa na sua educação, o desafio do reconhecimento das qualificações e aprendizagens anteriores (Relatório GEM, 2019) são outros obstáculos significativos. Além disso, as crianças e jovens desses grupos são, frequentemente, vítimas de discriminação com base na sua etnia, religião ou simplesmente por serem pessoas deslocadas/migrantes/refugiadas.
A educação também influência os movimentos migratórios e deslocação forçada. A educação costuma ser um fator importante na decisão de migrar. As pessoas com ensino superior são duas vezes mais suscetíveis de migrar internamente do que aquelas com ensino primário; e no caso de migrações internacionais, é cinco vezes mais provável que o façam. A educação afeta não só as atitudes, aspirações e crenças das pessoas migrantes, mas também as das pessoas que os recebem e acolhem. Uma maior diversidade na sala de aula traz tanto desafios como oportunidades para aprender com outras culturas e experiências. O conteúdo educativo adequado pode ajudar os cidadãos e as cidadãs a processar informações de forma crítica e promover sociedades coesas; por outro lado, um conteúdo inapropriado pode espalhar noções negativas, parciais, exclusivas ou desprezíveis relativamente às pessoas imigrantes e refugiadas (Relatório GEM, 2019).
Apesar das diferenças em termos de estatuto legal entre todos esses grupos de pessoas (migrantes, deslocadas internas, apátridas e repatriadas), assim como das diferentes razões que as fazem abandonar o seu país de origem, as barreiras à educação são muitas vezes semelhantes. Além disso, a monitorização do acesso à educação para esses grupos é uma barreira por si só, dadas as dificuldades na recolha de dados desagregados em função do estatuto de migração e deslocação.
Barreias à Educação
Barreiras legais
Embora muitos países garantam o acesso à educação básica para os filhos e filhas de migrantes que se encontrem em situação irregular (UNESCO, 2017), o tipo de migração influencia fortemente as barreiras legais que os e as estudantes migrantes podem enfrentar; os e as migrantes em situação irregular, as crianças desacompanhadas, as crianças apátridas, as crianças sem documentos de identidade e as e os migrantes sazonais enfrentam mais barreiras. Os países adotam abordagens diferentes no que se refere ao acesso à educação. Nalguns países, como a Malásia, os migrantes em situação irregular são legalmente impedidos de aceder às escolas governamentais, enquanto noutros contextos as crianças sem documentos podem ser impossibilitadas de se matricular, apesar de terem um direito legal à educação (Lumayag, 2016; Associação Insan, 2015).
De modo geral, as crianças sem documentos enfrentam obstáculos no acesso à educação: as crianças perdem os seus documentos ou os mesmos são confiscados durante o movimento de deslocação, e, sem eles, as crianças geralmente não conseguem matricular-se na escola. Outro desafio é manter as e os menores desacompanhados na escola. Mesmo com a legislação e as políticas que protegem o seu estatuto e que permite libertá-los rapidamente, em caso de detenção, bem como proteger o seu direito à educação, as e os menores desacompanhados carecem dos sistemas de apoio de pais ou tutores e enfrentam muitos desafios mais tanto para aceder como para permanecer na escola. Na prática, o facto de não terem direito a uma cidadania, de modo geral, exclui as crianças da educação. Nalguns casos, as crianças apátridas podem frequentar a escola primária, mas a maioria não poderá continuar os seus estudos além do nível de ensino primário, porque a falta de documentação os impedirá de fazer o exame nacional e concorrer para os níveis de ensino seguintes. Quando não existem barreiras formais ao ensino superior, as crianças sem documentos podem enfrentar outros obstáculos no acesso ao ensino médio e superior, como restrições de viagens impostas a apátridas ou práticas discriminatórias ou arbitrárias na alocação de bolsas de estudo. As múltiplas privações resultantes do estatuto de apátrida passam de uma geração para a outra.
As pressões socioeconómica e financeira também têm impacto sobre a inclusão de crianças e jovens deslocados à força e migrantes nos sistemas educativos. As crianças e os jovens podem estar envolvidos em atividades geradoras de rendimento, seja para responder às suas próprias necessidades ou às da sua família, ou ainda serem vítimas de tráfico ou trabalho forçado. Nessas circunstâncias, é improvável que estas as crianças frequentem a escola (Grupo de Trabalho para Proteção da Criança (CPWG), 2015). A deslocação forçada também significa, frequentemente, perder os meios de subsistência e de rendimento; muitas famílias deslocadas lutam para cobrir o custo das propinas escolares, dos uniformes e do material escolar.
Barreiras Linguísticas
A língua de instrução pode representar uma grande barreira à integração dos alunos e das alunas, mesmo que estejam matriculados e que frequentem a escola. Estima-se que cerca de 40% da população mundial não tenha acesso à educação numa língua que falem ou entendam, uma questão que preocupa principalmente países com uma grande diversidade linguística (Walter and Benson, 2012). As escolas devem também adaptar-se às necessidades dos seus novos alunos e alunas. As crianças deslocadas de língua Quíchua no Peru, por exemplo, não conseguiam entender ou comunicar com os seus professores e professoras de língua espanhola, o que resultou em altos níveis de absentismo escolar e analfabetismo, principalmente entre as meninas.
Sistemas educativos paralelos
O movimento de deslocação forçada impõe, habitualmente, uma enorme pressão nas infraestruturas educativas já de si desadequadas e acaba por ser através de um sistema paralelo que as crianças deslocadas frequentam a escola muitas vezes. Entende-se por sistema paralelo aquele que funciona paralelamente ao sistema de educação formal oficial. Os sistemas educativos paralelos oferecem, geralmente, ofertas de educação não formal ou informal não regulamentada; tendem a não ter professoras e professores qualificados ou a oferecer exames certificados e correm o risco de ter o seu financiamento cortado sem pré-aviso. A experiência demonstra que a inclusão de todas as crianças no sistema educativo nacional do país anfitrião é a melhor maneira de oferecer uma educação de qualidade inclusiva e equitativa.
Barreiras culturais
Os desafios em torno das normas e expectativas sociais e culturais em relação à frequência escolar para meninos e meninas afetam os níveis de acesso, assiduidade e retenção. Em particular para as meninas: as normas sociais e culturais que impedem a sua frequência escolar junto de meninos e professores do sexo masculino; a falta de professoras e instalações de aprendizagem desadequadas (ausência de instalações de ASH adequadas e de acesso a produtos de higiene), gravidez e/ou casamento precoces e preocupações com segurança ou proteção pessoal, constituem barreiras à sua educação.
Esta coleção de recursos foi desenvolvida com o apoio da Equipa de Educação do ACNUR