Apresentação da Edição Especial sobre Educação e Guerra contra as Drogas da JEiE

Publicado
Tema(s):
Setores de Ação Humanitária - Educação
Educação e Fragilidade
Educação para a Consolidação da Paz
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Temos o prazer de anunciar a publicação da Journal on Education in Emergencies - Volume 6, Número 1 – Edição Especial sobre Educação e Guerra contra as Drogas!

Esta edição inovadora explora o facto da educação não ser apenas um espaço que tem sofrido consideráveis danos colaterais da guerra contra as drogas, mas também a forma como as políticas e práticas educativas perpetuam e mantêm esta guerra de longa duração, transnacional e multifacetada.

As crianças e as e os jovens são particularmente vulneráveis às políticas falhadas da guerra contra as drogas. Debatem-se com a violência ligada às drogas e com os confrontos armados entre o estado e as organizações de tráfico de drogas nas suas comunidades, com as políticas de tolerância zero às drogas e com a disciplina punitiva na escola. Estas políticas contribuem para crises educativas em cascata que, muitas vezes, não são reconhecidas como estando ligadas: ataques a escolas e a educadores e educadoras, exclusão educativa das comunidades marginalizadas, absentismo, o pipeline escola-prisão, diminuição da qualidade do ensino, entre outros.

O Volume 6, número 1 da Revista sobre EeE inclui cinco artigos de investigação, uma nota de campo e duas recensões de livros. Estes artigos examinam a influência da guerra contra as drogas na continuidade do fabrico, distribuição, comércio e consumo de drogas da forma que é vivenciada pelas e pelos estudantes, famílias, educadores e educadoras, dirigentes escolares e decisoras e decisores políticos. Fornecem informações sobre as considerações adicionais necessárias ao estudo do ilícito e à realização de investigação em contextos inseguros, e salientam a necessidade de pontos de vista inclusivos que revelem os efeitos invisíveis das crises.

Estamos gratos às editoras convidadas que coordenaram esta edição, Maria Jose Bermeo e Diana Rodrígues-Gómez, pelo empenho e experiência excecionais que trazem a esta edição especial.

Volume 6, Número 1 da JEiE, assim como as edições anteriores da JEiE e todos os artigos individuais, podem ser descarregados na íntegra e de forma gratuita no site da INEE: https://inee.org/pt/journal.

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Journal on Education in Emergencies, Volume 6, Número 1
Edição Especial sobre Educação e a Guerra contra as Drogas

ÍNDICE

NOTA EDITORIAL
Maria Jose Bermeo e Diana Rodríguez-Gómez

Nesta nota editorial, Maria Jose Bermeo e Diana Rodríguez-Gómez, editoras-chefes da edição especial, identificam as principais linhas de tendência na relação entre educação e a guerra contras as drogas. Ao detalharem as contribuições que os autores e autoras desta edição fazem para as teorias, métodos e evidências de EeE, as editoras-chefe incitam as e os membros desta área a comprometerem-se com as "emergências permanentes", incluindo a guerra contra as drogas, que estão integradas nas estruturas e instituições, e que o conceito de "emergência" da EeE pode encobrir.

ARTIGOS DE INVESTIGAÇÃO SOBRE EeE

A Ligação entre Educação e Guerra contra as Drogas: uma Revisão Sistemática
Diana Rodríguez-Gómez e Maria Jose Bermeo

A guerra contra as drogas tem afetado profundamente os contextos educativos, porém isto tem sido até hoje amplamente negligenciado pelas áreas da educação em situações de emergência e da educação comparativa e internacional. Esta revisão sistemática de relevantes estudos empíricos, publicados entre 1988 e 2018 através de 20 subcampos da educação, explora como os estudos académicos têm vindo a abordar a interseção entre a escolarização e a guerra contra as drogas. Através da análise do conteúdo de 420 artigos, quantificámos a ocorrência de termos relacionados com a guerra contra as drogas, identificámos padrões e tendências e avaliámos os seus significados subjacentes. Encontrámos uma vasta literatura sobre drogas e escolas, particularmente no que toca ao consumo de drogas por parte das e dos estudantes, mas existe pouca investigação que examine as implicações educativas da guerra contras as drogas. Apoiámo-nos no conceito de assemblage para enquadrar o âmbito deste conflito global, e concluímos com uma agenda de investigação que junta discussões sobre a guerra contra as drogas no campo da educação em situações de emergência.

Quando a Emergência se Transforma em Quotidiano: Revisitando um Conceito Central da EeE no Contexto da Guerra contra as Drogas
Roozbeh Shirazi

Embora a "emergência" seja um conceito-chave no campo da educação em situações de emergência, as e os académicos e profissionais demonstram, há muito tempo, ambivalência quanto a este termo e relativamente a que condições se refere. Neste artigo, que se baseia no trabalho da antropóloga Janet Roitman, faço uma revisão crítica dos conceitos de emergência e crise, e proponho que compreender a emergência principalmente como um momento de choque ou um acontecimento inesperado obscurece o facto de que condições aparentemente normais podem produzir os seus próprios impasses. Mais do que serem caracterizadas por consenso a respeito do seu significado, as crises implicam construções narrativas que criam novas temporalidades e que classificam certas perguntas e respostas como possíveis, e outras não. Neste artigo, justaponho duas construções narrativas sobre crise na cultura popular, de modo a explorar como construções narrativas da guerra contra as drogas podem produzir entendimentos dissonantes das crises que estas supostamente representam. Sugiro que atender explicitamente à política subjacente da narração das crises - apesar de talvez dificultar a resposta de emergência - é vital para classificar e resolver possíveis pontos cegos éticos e impasses no campo da educação em situações de emergência.

Os Efeitos da Pulverização Aérea de Plantações de Coca no Trabalho Infantil, Frequência e Desfasamento Escolar na Colômbia, 2008-2012
Claudia Rodriguez

Desde 1999, uma das principais estratégias usadas pelo governo colombiano para erradicar o cultivo de coca é através da pulverização de herbicida nas plantações, que é levada a cabo a partir de aviões. Este artigo avalia as consequências desta estratégia para as famílias rurais que vivem nas áreas onde a coca é cultivada, em especial os efeitos que a pulverização aérea produz no trabalho infantil e na educação. Visto que as áreas onde a pulverização é utilizada são fundamentalmente diferentes daquelas onde não é, utilizo um modelo de duas fases de mínimos quadrados, instrumento para a erradicação aérea com o número de dias em que os ventos locais de alta velocidade dificultaram a pulverização. Estes foram os dias nos quais o vento apresentou desvio padrão acima da média mensal local. Esta medida corrige a possibilidade de existirem fontes de endogeneidade provocadas por um enviesamento da seleção. Os resultados deste estudo demonstram que a pulverização aérea foi associada a um aumento de um ponto percentual na probabilidade de crianças com idades entre 12 e 17 anos se dedicarem ao trabalho em vez dos estudos. A pulverização aérea também foi associada a um aumento de 0,15 ponto percentual na probabilidade das filhas e filhos mais velhos que vivem em áreas de cultivo de coca ficarem para trás no que toca ao progresso dos estudos, e um aumento de cinco pontos percentuais de probabilidade das filhas e filhos mais novos abandonarem a escola. Portanto, os resultados desta investigação, baseados em dados do período de 2008 a 2012, sugerem que a guerra contra as drogas tem o potencial de gerar novas barreiras ao acesso educativo no caso das crianças que vivem em áreas onde ocorre a pulverização aérea.

"Pedagogia da Conversão" nas Periferias Urbanas: Pacificação, Educação e a Luta pelo Controlo numa Favela do Rio de Janeiro
Sara Koenders

Neste artigo, faço uma contribuição empírica para a bolsa de estudos sobre educação em contextos urbanos que são afetados pela policiamento militar e pelos mercados de drogas ilícitas. Apresento uma visão a respeito do papel das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), que são um projeto de pacificação nas favelas do Rio de Janeiro. As autoridades do estado do Rio começaram a instalar UPPs em 2008, numa tentativa de retomar o controlo das favelas dominadas por grupos de tráfico de drogas e marcadas por elevados níveis de violência. Neste artigo, que é baseado num estudo de caso etnográfico que conduzi entre 2008 e 2015, falo sobre a luta das UPPs para ganhar a lealdade dos moradores e moradoras das favelas. Concentro-me particularmente no envolvimento da polícia nas escolas básicas públicas e na educação não-formal orientadas para crianças muito novas a viver nas favelas que fizeram parte do projeto da UPP. Considerando uma questão fundamental, — De que forma é que a pacificação influencia a educação e como é que isto interfere nas perceções locais relativas à polícia? — revelo como as UPPs introduziram ainda mais militarização nas favelas do Rio e demonstro como as práticas paradoxais da polícia nas periferias urbanas podem, na verdade, perpetuar a violência que visam combater.

"Se não tens estudos, não és ninguém": Compreendendo as Experiências Escolares das e dos Jovens Envolvidos na Criminalidade Associada à Droga na Ciudad Juárez e em Medellín
Cirenia Chavez Villegas e Elena Butti

A relação entre estar fora da escola e participar em economias criminais está amplamente documentada na literatura sobre delinquência juvenil. No entanto, a complexa ligação entre estes dois fenómenos ainda não foi totalmente desvendada. Este artigo inspira-se em dois estudos que nós, as autoras, conduzimos separadamente para explorar o papel desempenhado pelas experiências educativas na formação das trajetórias de jovens que participam no comércio de drogas nos centros urbanos do México e da Colômbia. O primeiro consiste em entrevistas e inquéritos aprofundados conduzidos na Ciudad Juárez, no México, enquanto o segundo se baseia num envolvimento etnográfico a longo prazo em Medellín, na Colômbia. Oferecemos perspetivas únicas sobre as experiências educativas desta população difícil de alcançar e concluímos que as dificuldades económicas não explicam completamente a razão pela qual estes jovens abandonam a escola e se envolvem em atividades delinquentes. Estas e estes jovens não "abandonam" a escola em busca de dinheiro; são antes "obrigados a sair" por um ciclo vicioso de estigmatização, segregação, castigo e exclusão. Ao explorar estas dinâmicas em duas cidades que têm travado longas guerras contra as drogas, este artigo promove um maior entendimento da ligação entre violência relacionada com criminalidade e experiências educativas, fazendo, deste modo, uma importante contribuição para a área da educação em situações de emergência.

NOTAS DE CAMPO DE EeE

Programa Catalyst (Catalisador): Expansão da Educação de Redução de Danos e da Participação dos e das Jovens no Contexto da Guerra às Drogas
Theo Di Castri

O Programa Catalyst (Catalisador) é um programa bilingue (inglês/espanhol) de um ano destinado a alunos e alunas da escola secundária e respetivos professores e professoras que vivem em comunidades afetadas pela guerra contra as drogas (GD) que está a ser travada nas Américas.  Esta iniciativa educactiva é uma resposta ao sofrimento social causado pela GD. O Programa Catalyst (Catalisador) está a trabalhar para forjar redes transnacionais de solidariedade e de análise entre as e os jovens que estão nas linhas da frente da GD e para assegurar que as suas vozes são ouvidas pelo crescente movimento de reforma das políticas relativas às drogas. Nesta nota de campo, argumento que os programas existentes baseados em abstinência e prevenção não abordam as raízes estruturais da GD e que é necessária uma abordagem mais abrangente e radical à educação relativa a drogas. Primeiramente, explico o contexto e a fundamentação para o programa Catalyst, e depois apresento um resumo de alguns dos desafios e lições que surgiram durante esta sessão inaugural. Tendo por base as experiências dos facilitadores e facilitadoras e das e dos estudantes presentes naquela sessão, o programa é visto como um  primeiro passo promissor em direção a uma abordagem alternativa à educação relativa às drogas. Concluo a nota de campo sugerindo novos caminhos para inquéritos e colaboração entre a área da educação em situações de emergência e a reforma das políticas relativas às drogas.

RECENSÕES DE LIVROS

The School-to-Prison Pipeline: Education, Discipline, and Racialized Double Standards de Nancy A. Heitzeg
Jennifer Otting

Na sua recensão a The School-to-Prison Pipeline: Education, Discipline, and Racialized Double Standards de Nancy A. Heitzeg, Jennifer Otting observa como as políticas de tolerância zero às drogas ajudam a criar um pipeline escola-prisão para as e os jovens de cor. O trabalho de Heitzik contrasta o tratamento de pessoas brancas e abastadas consumidoras de drogas, a quem são oferecidos programas de tratamento, e as e os jovens de cor, que têm mais probabilidades de defrontarem o sistema de aplicação da lei e de serem encarcerados.

Political Socialization of Youth: A Palestinian Case Study de Janette Habashi
Jo Kelcey

Na sua recensão de Political Socialization of Youth: A Palestinian Case Study de Janette Habashi, Jo Kelcey fala sobre como as intervenções que tentam influenciar as atitudes políticas das crianças e adolescentes através de conteúdo educativo podem causar mais danos em vez de trazerem benefícios se não abordarem a forma como as estruturas educativas refletem a opressão.