Envolvimento privado na Educação em situações de emergência: Direitos e quadro regulador

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Tema(s):
Advocacy
Coronavírus (COVID-19)
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Os esforços para alcançar o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 4 (ODS4) têm despoletado apelos para que haja um maior envolvimento do setor privado, afirmando que as empresas e as fundações podem desempenhar um importante papel enquanto parceiros na educação em situações de emergência (EeE). Por sua vez, os atores privados têm-se envolvido cada vez mais em vários aspetos do desenho, implementação e gestão de EeE, resultando em tensões associadas aos papéis e atividades específicas dos atores com fins lucrativos na ação humanitária.

Enquanto o mundo continua a lutar com o impacto da COVID-19 na educação, o setor privado assumiu um papel notável ao possibilitar a aprendizagem virtual e prover tecnologia educativa no contexto do encerramento em larga escala das escolas. Este momento crítico destaca a necessidade de uma melhor compreensão dos problemas e debates estratégicos associados ao envolvimento dos atores com fins lucrativos na educação em tempos de crise, e as formas de abordar as tensões que podem surgir deste envolvimento.

xxNo Documento Síntese de Advocacy da INEE, Envolvimento Privado na Educação em Situações de Emergência: Direitos e Quadro Regulador, ,exploramos algumas das tensões decorrentes do envolvimento específico dos atores com fins lucrativos na EeE, e fazemos recomendações para apoiar a priorização de uma educação pública segura, equitativa e de qualidade para todas as crianças e jovens afetados por crises.

Os princípios fundamentais, que derivam das normas legais, estabelecem o papel do Estado na proteção do direito à educação, e enquanto principal responsável pelo fornecimento da educação, inclusive em situações de emergência. Estes incluem convenções globais sobre os direitos da criança e das pessoas refugiadas, bem como o direito humanitário internacional;quadros de desenvolvimento baseados em direitos, tais como o ODS4; e princípios de orientação da educação em situações de emergência, como os Requisitos Mínimos da INEE. Além disso, os Princípios de Abidjan procuram definir as obrigações dos governos, no domínio dos direitos humanos, de fornecer uma educação pública para todos os que estão abrangidos pela sua jurisdição, ao mesmo tempo que fazem cumprir os quadros reguladores para o envolvimento privado.

Embora os Princípios de Abidjan esclareçam as obrigações dos governos, no domínio dos direitos humanos, de fornecer educação pública e regular o envolvimento dos atores privados na educação de forma mais geral, a orientação sobre o papel dos atores privados em situações de crise é menos clara. Este documento síntese aborda esta interseção única ao apresentar um alinhamento dos princípios de Abidjan com os Requisitos Mínimos da INEE.

Analisando os vários papéis e problemas decorrentes do envolvimento dos atores com fins lucrativos na EeE, identificamos e analisamos as tensões relacionadas com: o financiamento privado da EeE; a necessidade de flexibilidade e rapidez na resposta; o apoio do setor privado no acesso a tecnologia e a inovação; o provisionamento escolar através das parcerias do setor público e privado e escolas privadas de baixo custo; e o envolvimento do setor privado na formulação de políticas e advocacy.

Defendemos o direito mais amplo à educação e a concretização do ODS4 esboçando sete recomendações principais para os governos, doadores e atores não governamentais para assegurar a eficácia da participação do setor privado na EeE.

Recomendações-chave para a participação do setor privado na EeE:

  • Priorizar o princípio da intervenção humanitária de "não causar dano".  Todas as atividades do setor privado na EeE devem aderir ao princípio de "não causar dano" e assegurar os direitos educativos das populações afetadas.
  • Priorizar a participação das comunidades afetadas.  Sem um contributo ativo da comunidade, as intervenções apoiadas por empresas arriscam que o desenvolvimento e a implementação dos seus programas estejam desalinhados com os interesses e os sistemas de conhecimento local, o que leva a baixos resultados escolares e a práticas potencialmente discriminatórias que produzem, mantêm ou exacerbam o conflito.
  • Apoiar a sustentabilidade a longo prazo da educação pública.  O envolvimento eficaz do setor privado na EeE exige um compromisso prolongado e contínuo com a educação pública.
  • Regulamentar as atividades do setor privado. Os atores privados envolvidos na educação em situações de emergência devem ser regulados pelo Estado e manter-se fiéis aos mesmos princípios de prestação de contas que são observados por outros atores não-governamentais e agências/entidades do estado, em linha com os requisitos dos direitos humanos internacionais legalmente vinculativos, para assegurar a qualidade, equidade e o acesso, especialmente no que diz respeito aos alunos/as e famílias afetadas pelas crises.
  • Promover transparência das atividades com fins lucrativos.  A transparência relativa às condições de financiamento e às atividades com fins lucrativos, tais como a criação de novos mercados para venda de produtos, associação da marca e avaliação de produto, podem ajudar a identificar os conflitos de interesse que contrariam o princípio de “não causar dano”. 
  • Assegurar que o financiamento privado da EeE é transparente, equitativo e harmonizado.  Quando os recursos humanos, financeiros e materiais não conseguem corresponder às necessidades educativas, o envolvimento com os atores privados pode ser uma opção, e em alguns casos, até mesmo uma necessidade. No entanto, o financiamento privado da EeE não pode comprometer a responsabilidade do Estado de oferecer uma educação de qualidade e gratuita a todas as crianças e jovens. Além disso, é necessário um financiamento sustentado e previsível para causar impacto na EeE, em que o financiamento privado de emergência seja harmonizado com acordos de financiamento a longo prazo e estratégias de saída.
  • Desenvolver orientações específicas sobre a participação do setor privado na EeE.  Dadas as especificidades da participação do setor privado no domínio da EeE, um complemento aos princípios de Abidjan que abordam diretamente estas questões ajudam a clarificar as expetativas para as respostas dos Estado e do setor privado nessas situações.

  As opiniões manifestadas nesta publicação são da responsabilidade das autoras.

 Francine Menashy é Professora Associada do Departamento de Liderança na Educação da Universidade de Massachusetts, em Boston.

 Zeena Zakharia é uma Professora Auxiliar de Política Educativa Internacional na Universidade de Maryland, College Park.