Volume 3 da Journal on Education in Emergencies – edição especial
É com muito gosto que passamos a apresentar o terceiro volume da Journal on Education in Emergencies.
Trata-se de um volume dedicado ao tema de Educação e Construção da Paz, sendo que cada tema da revista é decidido em função da sua importância e relevância no momento em que a revista é publicada.
Apesar dos profissionais da resposta humanitária atribuírem, durante anos, crédito à educação na promoção e da paz, o entendimento desta interação ficou mais claro no início dos anos 2000, aquando da publicação da obra The Two Faces of Education in Ethnic Conflict (Bush e Saltarelli, 2000) [As duas Faces da Educação no Conflito Étnico, tradução livre]. Esta publicação despoletou um período de reflexão sobre o papel da educação, não só na promoção da paz, mas também na promoção de conflito através de acesso desigual, práticas de sala de aula tendenciosas ou conteúdo ideológico negativo (Brock, 2011; Burde, 2014; Burde, Kapit, Wahl, Guven e Skarpeteig, 2017; Gross e Davies, 2015; King, 2014; Ostby e Urdal, 2010; Shields e Paulson, 2015; Smith, 2007). Ainda que os/as educadores/as estejam, como sempre, comprometidos com o potencial e poder de transformação da educação, já não estão tão otimistas quanto às respostas existentes e ao seu conteúdo no contexto de crises humanitárias.
Ainda assim, em simultâneo, os/as educadores/as procuram compreender de que forma e em que condições a educação pode promover a paz ou contribuir para a construção da paz. Uma maior reflexão entre profissionais ajudou a re-orientar essa linha de investigação no sentido de uma compreensão mais abrangente e sistemática dos mecanismos que poderiam criar e melhorar as condições subjacentes à paz. Por exemplo, como é que as normas de género podem contribuir ou prejudicar os esforços para promover condições consideradas importantes para a paz? Quais são as implicações da redistribuição do financiamento escolar na coesão social?
Através deste número da Revista — que inclui três artigos de investigação, uma nota de campo e quatro recensões de livros — explora-se a face positiva da educação e a análise do seu contributo para os processos de construção da paz. Em particular, os artigos incluídos apresentam várias análises a esta questão, com enfoque na justiça social, reconciliação, inclusão, normas de género e a importância da coesão social.
A versão completa do Volume 3, Número 1 da Revista (.pdf) pode ser descarregada gratuitamente. Mais ainda, pode aceder aos artigos, resumos e os podcasts das entrevistas com os autores em http://inee.org/collections/journal-education-emergencies-volume-3-number-1.
Resumos do volume 3 do JEiE
Enquadramento dos 4R: Analisando a contribuição da educação para a construção da paz sustentável com justiça social em contextos afetados por conflitos
Mario Novelli, Mieke T. A. Lopes Cardozo e Alan Smith
Este documento apresenta um quadro teórico e analítico para a investigação e reflexão sobre o papel da educação na construção da paz em contextos afetados por conflitos. O quadro dos 4Rs reconhece que trabalhar para uma “paz positiva” (Galtung 1976, 1990) requer trabalhar para a paz com justiça social e reconciliação, desafiando os modelos dominantes de “segurança em primeiro lugar” e de “paz liberal”, e obtendo melhor compreensão de como a educação pode apoiar estes processos na construção de sociedades sustentáveis e pacíficas em contextos de pós-conflito. O quadro dos 4Rs combina as dimensões do reconhecimento, da redistribuição, da representação e da reconciliação para explorar o que pode ser a construção de uma paz sustentável por meio de uma lente de justiça social. O documento aborda a tradução cultural destes conceitos, salientando a necessidade de interpretações localmente incorporadas. Mais do que um modelo teórico fixo, a abordagem dos 4Rs foi concebida como um dispositivo heurístico, que promove um diálogo entre as principais partes interessadas sobre os dilemas e os desafios no domínio da educação em situações de emergência. Destacamos a aplicação de um quadro dos 4Rs através de um estudo de caso recente de Myanmar, que demonstra tanto as ligações inter-relacionadas como as tensões entre os diferentes “Rs”. Por último, refletimos sobre os desafios e as limitações da abordagem e sobre as tarefas que temos pela frente.
Podem os programas de formação de professoras/es influenciar as normas de género? Evidências experimentais de métodos mistos do norte de Uganda
Marjorie Chinen, Andrea Coombes, Thomas De Hoop, Rosa Castro-Zarzur e Mohammed Elmeski
Este estudo controlado e randomizado de métodos mistos examina o impacto de um programa de treinamento de professoras/es que visa promover a socialização positiva de género na região afetada por conflitos de Karamoja, em Uganda. A teoria da mudança sugere que o sistema educativo e as/os professoras/es podem desempenhar um papel fundamental na promoção de papéis e igualdade de género positivos, o que tem implicações importantes para a construção da paz. O nosso estudo encontrou evidências de que o programa influenciou positivamente o conhecimento de professoras/es sobre a diferença entre género e sexo, e suas atitudes em relação aos papéis e identidade de género. Não encontrámos evidências quantitativas de qualquer mudança a curto prazo nas práticas de professoras/es como resultado do programa, também não encontramos evidências quantitativas dos efeitos de uma intervenção complementar de mensagem de texto, atribuída aleatoriamente, com o objetivo de reforçar as informações fornecidas durante o treinamento. A pesquisa qualitativa sugeriu que, embora as/os professoras/es tenham adotado práticas básicas ensinadas na formação, não estavam preparadas/os ou não eram capazes de adotar práticas mais complexas. A principal implicação é que a formação pode influenciar o conhecimento e as atitudes de professoras/es sobre a igualdade de género, mas as normas tradicionais de género podem ser uma barreira à mudança de comportamento a curto prazo. Outra implicação é a importância de envolver a comunidade para criar ambientes favoráveis, em que as novas ideias sobre a igualdade de género possam ser aceites e traduzidas através da prática.
Os limites da política redistributiva de financiamento escolar na África do Sul
Rachel Hatch, Elizabeth Buckner e Carina Omoeva
Desde o fim do apartheid, a África do Sul empreendeu amplas reformas destinadas a promover a coesão social, incluindo uma política progressiva de financiamento da educação (por exemplo, a política de escolas gratuitas) destinada a corrigir desigualdades históricas. Como a melhoria da igualdade na educação e por meio dela é vital para a coesão social, este estudo de caso examina se a política de escolas gratuitas equalizou - ou se percebe que equalizou - os recursos escolares e as oportunidades educacionais na educação básica. Usando uma abordagem de métodos mistos que se baseia em dados de pesquisas domiciliares e escolares e entrevistas aprofundadas, descobrimos que a política de escolas sem taxas reduziu o ônus financeiro de pessoas negras da África do Sul, mas que ainda há grandes lacunas nos recursos escolares. Além disso, verificamos que a concentração de estudantes negras/os nas escolas das zonas mais pobres e de estudantes brancas/os nas escolas das zonas mais ricas aumentou entre 2003 e 2013, e que algumas/ns sul-africanas/os negras/os estão insatisfeitas/os com o difícil acesso às escolas de elite e às oportunidades educativas superiores que estas oferecem. Nosso estudo argumenta que as atuais políticas de financiamento escolar da África do Sul podem ser mais bem caracterizadas como pró-pobres do que redistributivas, e aponta implicações para a coesão social.
O potencial de abordagens de educação sensível a conflitos em países frágeis: O caso da reforma do quadro curricular e da participação cívica de jovens na Somália
Marleen Renders e Neven Knezevic
Como os serviços de educação em contextos frágeis e afetados por conflitos podem sustentar os resultados da educação e ajudar a quebrar os padrões cíclicos de conflito que conduzem a grandes retrocessos no desenvolvimento, inclusive na própria educação? Esta nota de campo apresenta o caso da revisão do quadro curricular na Somália, uma intervenção educacional apoiada pelo UNICEF, que se envolveu intencionalmente com os fatores de conflito. A nota descreve como essa intervenção na educação convencional, com um foco ampliado no desenvolvimento da participação cívica de jovens, pode ajudar a desenvolver uma capacidade de paz em vários níveis (individual, grupal e político) em termos de substância e processo. Apresenta também resultados emergentes, limitações e observações sobre a intervenção. A nota de campo conclui com algumas reflexões sobre a oferta de serviços inclusivos e relevantes como parte essencial da construção da paz e do Estado em contextos frágeis