Lançamento da Journal on Education in Emergencies [Revista científica sobre Educação em situações de Emergência]
Tenho o prazer de dar a conhecer o primeiro número da Journal on Education in Emergencies. É com muito orgulho que reconheço até onde chegamos nesta área específica de trabalho, sendo que desde 2000, quer a comunidade, quer o seu movimento têm vindo a crescer substancialmente. Apesar do crescimento exponencial da Educação em situações de Emergência, enquanto área de trabalho, e dos esforços em fortalecer as evidências nas quais se baseia a tomada de decisão relativa aos programas nesta área, a verdade é que a investigação sobre as intervenções ao nível da Educação em situações de Emergência e outras questões relacionadas ainda é escassa, um pouco difusa e pouca rigorosa. Isto dificulta o acesso e a utilização de informação atualizada por parte dos e das profissionais no terreno, assim como dificulta a construção de um corpo teórico de conhecimento por parte dos e das investigadoras.
A Journal on Education in Emergencies é uma publicação académica, sujeita a revisão de pares, que procura dar resposta à crescente necessidade de investigação científica rigorosa sobre Educação em situações de Emergência. Tendo em conta que, habitualmente, profissionais e académicos desta área, procuram manter uma colaboração estreita, o objetivo da revista é contribuir para a melhoria da aprendizagem sobre e nos espaços de implementação de programas, de formulação de políticas e instituições académicas, criando um espaço onde investigadores/as e profissionais podem publicar artigos e notas de campo que tenham por base métodos quantitativos, qualitativos e/ou mistos. Pretende-se que os artigos e notas de campo possam informar as políticas e práticas setoriais, bem como agitar o debate na área. A revista procura ainda proporcionar o acesso a ideias e evidências necessárias como fundamento da conceção de programas, da formulação de políticas, da tomada de decisão relativa à alocação de financiamento e da definição de linhas de investigação futuras, no âmbito da educação em situações de emergência.
Neste sentido, a revista tem como objetivos específicos:
- Estimular a investigação e o debate para o fortalecimento de evidências e construção de conhecimento coletivo sobre educação em situações de emergência;
- Promover a aprendizagem entre as organizações responsáveis pela implementação dos programas, as entidades responsáveis pela formulação de políticas e as instituições académicas, informada por evidências;
- Definir as tendências chave e delimitar as lacunas de conhecimento, fundamentando a definição de linhas de investigação;
- Publicar trabalho empírico e académico rigoroso que possa contribuir para o estabelecimento de requisitos para evidências no terreno.
O primeiro número da revista é composto por quatro artigos (3 artigos de investigação e uma nota de campo) e uma recensão crítica, que procuram abranger uma larga variedade de tópicos académicos e políticos, bem como modelos de investigação. Assim, podem encontrar-se nos artigos tópicos como: revisão da história da educação em países afetados por conflito, o impacto dos programas de intervenção psicosocial e, ainda, recomendações técnicas para professores/as que trabalham com refugiados. Os modelos de investigação associado à análise apresentada vão desde a revisão do trabalho empírico sobre a história da educação (Paulson), até à avaliação de impacto do programa Healing Classrooms do Comité Internacional da Cruz Vermelha (Torrente et al.), passando pelo estudo qualitativo sobre a educação de refugiados/as nas zonas urbanas de Nairobi e no campo de refugiados de Kakuma (Mendenhall et al.). A nota de campo publicada neste número diz respeito a uma área central de trabalho em Educação em situações de Emergência - a implementação de educação sensível às questões de conflito no Sudão do Sul (Reisman e Janke). A primeira recensão crítica (Cole) debruça-se sobre o livro de Elisabeth King: “From Classrooms to Conflict in Rwanda”, publicado no ano passado pela Cambridge University Press.
O primeiro número da Journal on Education in Emergencies pode ser descarregado gratuitamente na página oficial da INEE. Abaixo pode consultar os resumos dos artigos apresentados neste número da revista.
Por favor, considere contribuir para esta publicação, submetendo um artigo sobre o trabalho que tem vindo a desenvolver no âmbito de Educação em situações de Emergência e que possa ser publicado nos futuros números da revista. Convidamos os nossos membros a participarem nesta iniciativa coletiva que, consideramos nós, permitirá aprofundar e ampliar o poder do movimento social de Educação em situações de Emergência.
Resumos dos Artigos e Notas de Campo
"Se e como?" História da Educação em situações de conflito recentes e em curso: revisão da investigação [tradução livre]
Julia Paulson
Este artigo procura fazer a revisão da investigação realizada sobre a história da educação, particularmente em situações de conflito recentes ou em curso desde 1990. A história da educação assume um papel-chave para a construção de identidade, transmitindo a memória coletiva e moldando "comunidades imaginadas". Neste sentido, a revisão ou reforma da educação é tão complexa, quanto importante, para o trabalho desenvolvido no âmbito da Educação em situações de Emergência. O artigo apresenta uma revisão de 42 estudos empíricos, realizados em 11 países, procurando perceber se as situações de conflitos recentes já fazem parte do currículo nacional e, quando isso acontece, de que forma esse conteúdo é abordado. De forma geral, o artigo conclui que: em todos os casos os jovens aprendem sobre este tipo de conflitos; na maioria, o currículo é uma fonte para essa aprendizagem mas, em alguns casos, a história do conflito recente é ensinada sem orientação curricular ou outro tipo de orientação. Nos casos em que o conflito recente faz parte do processo de ensino-aprendizagem, a revisão apresentada neste artigo aponta para o facto da disseminação das narrativas nacionais ser baseada na memória coletiva, embora isso seja mais frequente nas aulas de estudos sociais do que nas aulas de história. Em muitos casos, essas narrativas demonstram uma visão top-down e etno-nacionalistas. Para além disso, essas narrativas tem por base um passado mítico de unidade e o carácter excecional do conflito. Por último, o artigo refere que os atores responsáveis pela revisão ou reforma do currículo de história se referem ao conflito recente como um “passado ativo” e aponta algumas ideias promissoras de como este passado pode ser integrado no currículo das disciplinas de história.
Melhorar a Qualidade das Interações Escolares e do Bem-Estar dos Alunos: Impactos de um ano de um programa escolar na República Democrática do Congo [tradução livre]
Catalina Torrente, Brian Johnston, Leighann Starkey, Edward Seidman, Anjuli Shivshanker, Nina Weisenhorn, Jeannie Annan e John Lawrence Aber
Melhorar a qualidade da educação de milhões de crianças em todo o mundo tornou-se uma prioridade mundial. Este estudo apresenta os resultados da primeira avaliação experimental realizada no sentido de medir o impacto de um programa escolar universal a dois níveis, respetivamente: (1) a qualidade das interações escolares (ou seja, a perceção do nível de apoio/assistência e previsibilidade/cooperação que os alunos têm na sua escola e na sala de aula), e (2) o bem-estar subjetivo dos alunos (ou seja, vitimização entre pares e saúde mental). O estudo ao qual este artigo faz referência foi realizado na República Democrática do Congo, um país de baixo rendimento afetado por conflitos durante décadas. A avaliação foi realizada com recurso a um ensaio aleatório em conjuntos de escola, sendo que o número de escolas que integram esses conjuntos variou entre 2 a 6 escolas selecionadas. A amostra do ensaio inclui 3857 alunos, em turmas desde o segundo ao quarto ano e 63 escolas, agrupadas em 39 conjuntos. Após um ano de implementação parcial, o nível dos resultados do estudo demonstram-se promissores, mas mistos. O programa teve um impacto positivo significativo sobre as perceções dos alunos face ao apoio e cuidado prestado na sala de aula e na escola, mas um impacto negativo sobre o seu sentido de previsibilidade e de cooperação. O efeito do programa sobre o bem-estar subjetivo dos alunos, a médio prazo, não foi estatisticamente significativa, mas foram identificados impactos diferenciais em vários subgrupos de alunos/as. Em jeito de conclusão, o artigo apresenta uma discussão sobre as implicações do estudo e as direções para o futuro da investigação nesta área.
Educação de Qualidade para refugiados no Quénia: Pedagogia nas zonas urbanas de Nairobi e nos Campos de Refugiados de Kakuma [tradução livre]
Mary Mendenhall, Sarah Dryden-Peterson, Lesley Bartlett, Caroline Ndirangu, Rosemary Imonje, Daniel Gakunga, Loise Gichuhi, Grace Nyagah, Ursulla Okoth e Mary Tangelder
Este artigo procura analisar a qualidade da educação disponibilizada aos refugiados no Quénia, com enfoque na instrução. Ao fornecer dados empíricos sobre processos de instrução num contexto de educação de refugiados, o artigo procura apoiar relatos casuais e fortalecer avaliações das agências.
O artigo fundamenta-se num projeto de invesitigação qualitativa, com base em estudos de caso, desenvolvido em oito escolas primárias, quatro em Nairobi e quatro no campo de refugiado de Kakuma, no noroeste do Quénia. Neste sentido, são descritas as práticas pedagógicas utilizadas nestas escolas demonstrando o relevo dado à exposição teórica nas aulas; a confiança dos professores sobre questões factuais e a falta de perguntas abertas e colocadas pelos alunos; ausência de mecanismos de verificação da compreensão dos alunos; e a ausência de aprendizagem conceptual. A partir das perspectivas das e dos professores entrevistados, o artigo argumenta que as práticas de ensino de qualidade destinadas aos refugiados são limitados por vários fatores importantes, como sejam: escassez de recursos, incluindo o financiamento diminuto, a significativa sobrelotação das salas de aula e a falta de materiais de ensino e aprendizagem; a falta de formação pedagógica e conhecimento dos conteúdos curriculares; e as políticas curriculares e linguísticas.
O artigo termina com uma reflexão sobre as implicações na política educativa relativa aos e às professoras refugiadas e o conteúdo e estrutura da sua formação e desenvolvimento profissional, assim como de outros professores que trabalhem em campos ou espaços de acolhimento e apoio a refugiados.
Formação de professores sensível às questões de conflito: um olhar sobre a experiência do EDC no Projeto de Formação de Professores no Sudão do Sul, sob a lente da sensibilidade às questões de conflito [tradução livre]
Lainie Reisman e Cornelia Janke
Considerando o estudo de caso do South Sudan Teacher Education Project (SSTEP) [Projeto de Formação de Professores no Sudão do Sul - tradução livre], financiado pela USAID, este artigo propõe uma análise de orientações emergentes sobre o desenho e implementação de políticas de formação de professores e desenho de programas em ambiente de sensibilidade ao conflito. Referimo-nos em particular às orientações e enquadramento conceptual proposto pela Rede Interinstitucional para a Educação em situações de Emergência (INEE) na sua publicação: “Notas de Orientação sobre Educação sensível às questões de Conflito” (2013) e nos “Requisitos Mínimos para a Educação”, entretanto alvo de uma contextualização para a realidade do Sudão do Sul. Estas ferramentas permitem uma leitura do desenho e implementação do SSTEP de uma perspectiva de Educação sensível às questões de Conflito (CSE, sigla em inglês). De notar que esta é uma análise retrospectiva sendo que o SSTEP, implementado pelo escritório do Education Development Center (EDC) em Massachusetts, entre 2011 e 2014, foi desenhado e implementado em grande escala, antes da publicação das ferramentas da INEE sobre Educação sensível às questões de Conflito.
Essa perspectiva permite-nos analisar como é que o processo se desenrolou e especular se e como eles poderia ter sido diferente se as ferramentas da INEE sobre formação de professores à luz da CSE tivessem sido aplicadas. Permite-nos ainda, especificamente, considerar qual teria sido o resultado se tivesse sido feita uma análise completa e robusta do próprio conflito, antes do início do Projeto.
Este documento destina-se sobretudo a decisores políticos, profissionais, responsáveis pela conceção de programas e investigadores que têm trabalhado no sentido de melhorar a educação em ambientes frágeis e afetados por conflitos.