Línguas maternas no processo educativo - o que não sabemos e a importância da informação

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Tema(s):
Educação Inclusiva
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Uma publicação da autoria de Alice Castillejo, Assessora de Projetos, Tradutores sem Fronteiras, por ocasião do Dia Internacional da Língua Materna.

Education in humanitarian contextsTudo indica que quando o processo educativo acontece na língua materna resulta em melhores resultados de aprendizagem. Mas isso é difícil de operacionalizar, a não ser que se saiba em que línguas maternas ensinar. 

Uma pesquisa feita pela organização Tradutores sem Fronteiras (TWB) mostra que os atores humanitários, em todos os sectores, frequentemente não sabem quais são as línguas maternas da comunidade que apoiam. Na verdade, muitas vezes, nem sequer sabem que línguas oficiais as pessoas realmente compreendem. É então provável que não saibam o que as pessoas que falam apenas uma língua minoritária pensam sobre educação. A pesquisa sugere que, no geral, os diagnósticos de necessidades não são eficazes nessa averiguação. Além disso, as informações sobre os locais em que o ensino  acontece na língua materna é também muito escassa. É, por isso, pouco provável que os atores humanitários saibam onde, e muito menos se o ensino corre bem.

São muitas as coisas que não se sabem.

Mas pelo menos uma questão é de fácil resolução, desde que se consiga compreender o porque dessa lacuna.

Muitas comunidades afetadas por crises são multilingues. Nos 39 países em que a ACAPS atualmente monitoriza situações de emergências humanitárias e problemáticas são faladas mais de 3000 línguas. Em apenas um desses cenários, o nordeste da Nigéria, as pessoas afetadas falam mais de 30 línguas. Mas a ação humanitária está disponível, maioritariamente, em apenas dois idiomas, deixando por volta de 32% das pessoas deslocadas internamente sem acesso a informação na sua língua materna. A TWB trabalha com a Organização Internacional para as Migrações no sentido de mapear as línguas faladas pelos deslocados no nordeste da Nigéria, mas estes dados não estão disponíveis na maior parte das crises humanitárias. Sem eles, os atores humanitários não sabem que percentagem da comunidade precisa de apoio linguístico para ter acesso à educação, ou que línguas serão eficazes nas salas de aula. Da mesma forma, não poderão monitorizar a percentagem de comunidades afetadas por crises que têm acesso à educação na sua língua materna.

Apesar da vontade de sermos inclusivos, as barreiras linguísticas fazem com que seja difícil recolher as opiniões das pessoas que falam línguas minoritárias sobre o planeamento da educação, ou compreender as suas necessidades educativas. Frequentemente, estas pessoas estão em desvantagem na educação, e é, por isso, menos provável que trabalhem numa organização, onde as qualificações e o conhecimento de uma das "grandes línguas" são imperativas. Como resultado, mesmo os funcionários locais poderão não ser capazes de comunicar com as comunidades minoritárias tão bem como gostaríamos. Além disso, os técnicos que recolhem dados fundamentais para o planeamento podem não entender o idioma dos inquéritos que lhes pedimos que apliquem. A pesquisa recentemente realizada pela TWB na Nigéria mostra que alguns destes técnicos compreendem apenas 10% dos termos presentes nos inquéritos que usam na recolha de dados no setor humanitário. Este facto lança dúvidas sobre a exatidão da interpretação que os mesmos técnicos fazem das questões e respostas dos inquéritos.

Consideremos então a recolha de dados sobre línguas e idiomas.

Se queremos perceber as necessidades das pessoas que apoiamos, todos os diagnósticos, avaliações e todos os inquéritos aplicados às famílias deveriam incluir perguntas sobre a língua. Aqui estão algumas das perguntas que sugerimos incluir aquando da recolha de dados:

  1. Qual é a sua língua materna (isto é, a língua com que cresceu e que fala desde criança)?
  2. Em que língua prefere receber informações escritas?
  3. Em que língua prefere receber informações faladas?
  4. Como prefere receber informação (cartaz, folheto, rádio, mensagem de texto por telemóvel, em pessoa, outro)?

Adicionalmente, se reservarmos algum tempo para ajudar os técnicos que fazem a recolha de dados, a perceberem a terminologia dos instrumentos de recolha, teremos maior oportunidade de receber opiniões úteis por parte das pessoas que falam línguas minoritárias que disponibilizam informação. Assim, traduzir os inquéritos para as línguas em que esses técnicos se sentem confortáveis, seria um bom começo. Além disso, podemos potenciar ainda mais o sucesso da comunicação disponibilizando a terminologia de línguas minoritárias, de forma a apoiar esses técnicos com traduções "no local" de palavras para si desconhecidas.

A melhor compreensão das preferências linguísticas de uma comunidade resultará na melhor compreensão das necessidades educativas dessa comunidade em situações de crise, por parte de quem recolhe a informação.

Neste sentido, promover a comunicação multi-lingue em contextos humanitários é a verdadeira missão dos Tradutores sem Fronteiras e gostaríamos imenso de conversar consigo para perceber como podemos ajudar a tornar isso uma realidade para si. Visite https://translatorswithoutborders.org/ ou contacte alice@translatorswithoutborders.org para obter mais informações.

Alice CastillejoAlice Castillejo trabalha como uma assessora de projetos para os Tradutores sem Fronteiras. Ela tem experiência tanto no setor do desenvolvimento como no humanitário.

 

A visão apresentada nesta publicação de blogue corresponde à perspectiva do/a autor/a.