Educação Sensível às questões de Conflito: um motivo para ter esperança
"Claro que sim! O diretor e os professores sabem", respondeu Lilia quando lhe perguntei se as autoridades escolares sabiam que muitos dos alunos estavam envolvidos em gangues e que tinham atividades ilícitas nas instalações da escola. "Eu acho que eles simplesmente fecham os olhos porque não sabem o que fazer quanto a isso. Eles não querem ser ameaçados novamente. Eles basicamente deixam-nos [estudantes que estão envolvidos nos gangues] fazerem o que quiserem", acrescentou a amiga de Lilia, Fatima.
Ao longo da nossa conversa percebi que os gangues relacionados com drogas recrutaram pequenos traficantes nesta escola - um exemplo de como a educação pode, direta ou indiretamente, alimentar o conflito, algo que infelizmente não é incomum.
Esta conversa foi tida em 2011 com Lilia e Fatima, estudantes de uma escola secundária situada num dos bairros mais mortíferos de Ciudad Juarez, no México. Eu visitei esta escola numa iniciativa da diáspora de Juarez para promover a paz através da educação na nossa cidade natal, a cidade que ganhou o oneroso título da "capital mundial do assassinato". Esta escola e outras localizadas em toda a cidade receberam repentinamente um grande fluxo de ajuda internacional após o massacre de 16 alunos do ensino secundário no ano anterior.
Após a minha visita, perguntei-me muitas vezes o que é que os atores locais de educação e a comunidade internacional teriam que fazer para intervir efetivamente neste ambiente adverso e se eles estariam preparados para tornar a educação uma ferramenta para mitigar e não exacerbar os conflitos.
Educação em situações de Emergência (INEE) na capacitação dos atores do setor de educação no sentido de integrarem estratégias de educação sensível às questões de conflito (CSE, acrónimo em inglês) no seu trabalho. Desde então, pensei na minha conversa com a Lilia e a Fatima, refletindo sobre a importância que as estratégias de CSE poderiam ter nesses e muitos outros contextos. Infelizmente, professores, autoridades escolares e profissionais de ajuda educacional geralmente não estão preparados para trabalhar em ambientes afetados por conflitos. O Overseas Development Institute (ODI), relata que "75 milhões de crianças com idades entre 3 e 18 anos que vivem em países que enfrentam guerra e violência e precisam de apoio educativo”, o que equivale ao número de pessoas que vivem na Alemanha ou na Turquia. Assim, equipar professores, educadores e profissionais humanitários para responder a este enorme desafio requer um esforço coletivo e estratégias efetivas. É precisamente nestas situações que as estratégias de CSE fazem a diferença e é por isso que a INEE e os doadores estão a fazer um grande investimento!
Para entender o conceito de educação sensível às questões de conflito e compreender as suas estratégias, é importante entender o significado de "abordagens sensíveis às questões de conflito". O Conflict Sensitivity Consortium define a uma abordagem sensível às questões de conflito da seguinte forma:
"Uma abordagem sensível às questões de conflito implica compreender a interaão bidirecional entre as atividades e o contexto e agir para minimizar os impactos negativos e maximizar os impactos positivos da intervenção durante o conflito, no seio das prioridades e objetivos (mandato) de uma organização".Conflict Sensitivity Consortium
Essas abordagens são aplicáveis a qualquer setor e podem ser contextualizadas a qualquer circunstância, uma vez que o conceito de conflito é muito amplo. Tendo por base esta definição, a INEE desenvolveu um programa de formação para apoiar os profissionais do setor de educação e os decisores políticos a aplicarem a lente de CSE no seu trabalho, tornando-se, assim, sensível ao conflito. A INEE promoveu um conjunto de ações de formação sobre CSE, bem-sucedidas, em várias localizações, ao longo de 2014. Em 2017, a INEE e as organizações membros estão a implementar novas ações de formação, de forma a chegar a novos contextos. Uma destas iniciativas é um processo de capacitação em CSE, que tenho a honra de facilitar.
Este processo teve início com um workshop de formação de formadores realizado em julho de 2017, em Amman, Jordânia. Este workshop, apoiado pela UNRWA, acolheu cerca de 40 profissionais comprometidos e motivados com os quais tenho trabalhado em diferentes circunstâncias. Este grupo de participantes trabalham em agências que estão na linha da frente das respostas educativas nos conflitos da Síria, Iraque, Turquia, Jordânia, Iémen, Líbano, Afeganistão, Filipinas e Ucrânia.
Durante quatro dias, pudemos aprender em conjunto e planear formas de garantir que as respostas educativas nos nossos contextos são sensíveis às questões de conflito. Além disso, procuramos definir o nosso papel para promover a integração e institucionalização das estratégias de CSE nas nossas organizações, sejam elas agências das NU, ONG regionais ou internacionais ou, ainda, governos. Mais ainda, aprendemos de que forma as abordagens de CSE se aplicam às políticas e ao planeamento da educação. As discussões sobre intervenções educativas específicas (por exemplo: recrutamento de professores, língua de instrução, conteúdo curricular ou mesmo o local em que se realizam as avaliações) e a sua interação com os conflitos, foram particularmente enriquecedoras e esclarecedoras.
Esta iniciativa de capacitação em CSE, ainda em curso, é mais do que apenas esta ação de formação de quatro dias e a partilha de conhecimento. Neste sentido, criamos uma "Comunidade de Aprendizagem sobre CSE" (os recursos serão partilhados brevemente na página da INEE) de forma a garantir o apoio entre pares, não apenas moralmente, mas também estrategicamente, à medida que os participantes trabalham para implementar as estratégias de CSE nos seus contextos locais. Por exemplo, as agências que trabalham na resposta à situação que se vive na Síria, nos vários países afetados, estão a coordenar esforços e a alavancar recursos no sentido de maximizar os benefícios das intervenções à medida que planeiam desenvolver a formação em CSE. Da mesma forma, as agências das NU e as ONG no Iraque estão a trabalhar em conjunto com representantes do governo para o mesmo objetivo. No final do workshop um jovem colaborador do ACNUR, a trabalhar atualmente no desenvolvimento de programas educativos dirigidos a jovens em Aleppo, na Síria, dizia-me que:
“Sendo eu um dos poucos colaboradores do ACNUR dedicados à educação na Síria, encontrar esta comunidade de pares é bastante empoderador e muito útil, já que estou a aprender imenso e isso ajudar-me-á a desenvolver os meus programas”
Tal como ele, estou grato por esta Comunidade. Assim, felicito a visão da USAID (a Agência Norte Americana para o Desenvolvimento Internacional) e da EAA-PEIC (Protect Education in Insecurity and Conflict, um programa de Education Above All) e o seu esforço em apoiar esta iniciativa e esta Comunidade. Por último, felicito os membros dos Grupos de Trabalhos sobre Requisitos e Práticas e Política Educativa que se voluntariaram para apoiar esta formação e a iniciativa de capacitação em CSE.
Ao rever os planos das diferentes organizações nesta Comunidade, recordo-me de uma informação do Banco Mundial, que afirma que "cada ano de educação reduz o risco de conflito em cerca de 20%" e isso devolve-me a esperança. Esperança no meio de tantas más noticias nos dias que correm. Eu encontro a esperança ao acreditar que a escola da Lilia e da Fatima pode mudar a sua posição e ter um papel ativo na redução e em não alimentar o conflito na Ciudad Juarez. Eu encontro a esperança porque acredito que assegurar a educação de qualidade é uma das ferramentas mais poderosas para resolver alguns dos conflitos mais prementes que afetam nosso mundo e é isso que meus colegas nesta comunidade estão a fazer.
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Gustavo Payan é um especialista em desenvolvimento internacional com experiência e, contextos de fragilidade e afetados por conflitos. É um defensor acérrimo da prevenção da violência juvenil e da educação em situações de emergências e desenvolve programas e influencia políticas de promoção da paz e da segurança através da promoção do acesso à aprendizagem e aos meios de subsistência. Além disso, ele liderou e apoiou comunidades de práticas e redes que procuram promover a educação e o desenvolvimento juvenil. Gustavo concluiu recentemente os seus estudos no âmbito de uma bolsa Edward Mason na Harvard Kennedy School, sendo que tem um mestrado em Desenvolvimento Internacional Sustentável pela Universidade Brandeis. Gustavo é originalmente de Ciudad Juarez, no México e o seu papel favorito é ser pai.
A visão apresentada nesta publicação de blogue corresponde à perspectiva do/a autor/a.