Como as relações familiares predizem a eficácia de uma intervenção psicossocial em grupo entre crianças afetadas pela guerra
Habitualmente, as relações familiares definem a forma como os eventos traumáticos afetam a saúde mental das crianças num contexto de guerra e violência, mas a investigação sobre o papel desempenhado por tais relações, para o sucesso das intervenções psicossociais, apresenta lacunas. Este estudo compreende uma análise secundária de tipos de sistemas familiares previamente identificados, baseados no apego, parentalidade e relação entre irmãos, tal como da influência que tais aspetos têm na eficácia de técnicas de ensino de recuperação (TRT). A TRT é um grupo de intervenção psicossocial direcionado para a redução de problemas de saúde mental nas crianças, e desenvolvimento do seus meios psicossociais. Foram testadas três hipóteses. A primeira, a hipótese de compensação, afere que as crianças provenientes de famílias com relações negativas beneficiam largamente da intervenção TRT. A segunda, denominada hipótese cumulativa, afirma que as crianças de famílias com relações negativas não beneficiam da intervenção. Por último, a hipótese de proteção, diz que as crianças provenientes de famílias com relações positivas beneficiam largamente da intervenção TRT. A amostra consistiu em 325 mães e pais palestinianos e um/a dos/as seus/suas descendentes (com idades entre os 10 e os 13 anos). As crianças participaram ou na intervenção TRT ou em grupos de controlo. Os sintomas (descritos pelas crianças) de stresse pós-traumático, problemas emocionais e de conduta, e comportamentos pró-sociais foram avaliados numa linha de base comum, três meses após a intervenção e num seguimento a seis meses. Descobrimos que a tipologia familiar estava significativamente associada à eficácia da TRT, sustentando as hipóteses 1 e 3, de compensação e hipótese de proteção, respetivamente. As crianças com relações familiares instáveis e negativas, e aquelas provenientes de famílias com perceções díspares sobre a qualidade dos relacionamentos, demonstraram um declínio nos problemas emocionais nas três avaliações, e uma melhoria dos recursos positivos. As crianças de famílias com altos níveis de estabilidade e positividade nos relacionamentos, e aquelas com relacionamentos neutros e moderadamente estáveis, revelaram um aumento de recursos positivos e de comportamento pró-social também no grupo de controlo. Argumentamos que uma abordagem de sistemas familiares pode consubstanciar o conhecimento dos mecanismos das intervenções psicossociais bem sucedidas e, assim, que as relações familiares devem ser consideradas quando essas intervenções são adaptadas a crianças traumatizadas.