Apresentação do volume 2 da Revista da INEE sobre Educação em situações de Emergência

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Tema(s):
Investigação e Evidências
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É com prazer que apresentamos a segunda edição da Revista de Educação em Emergências (Revista sobre EeE). Este número da publicação incluiu artigos que procuram analisar programas educativos dirigidos a populações marginalizadas e vulneráveis que vivem em situações de crise ou conflito com várias circunstâncias, nos quais a resiliência se pode assumir como uma resposta a estas situações de emergência.

Tendo em conta o recente aumento dos crimes de ódio, nos EUA e em grande parte da Europa, o aumento da misoginia e do racismo em todo o mundo, assim como o medo crescente de refugiados, e pessoas "estranhas", tornou-se urgente a investigação sobre fenómenos de marginalização e a necessidade de esforços para superar as divisões sociais. Embora todos os artigos desta edição tenham sido escritos antes do desfecho dos recentes processos eleitorais no Reino Unido e nos EUA, muitas das ideias neles abordadas falam dessas divisões – tal como o campo da educação em situações de emergências sempre tem tentado fazer.

Paradoxalmente, nós os/as educadores/as que trabalham e escrevem sobre educação em situações de emergência, apesar do aumento da hostilidade em relação aos imigrantes e refugiados nos últimos anos, vemos um aumento exponencial da atenção dada ao setor de Educação nos países afetados por conflitos. Isso trouxe novos atores para este campo de trabalho (como por exemplo, Gordon Brown, Erna Solberg, Malala Yousefzai), assim como novos esforços de promoção da educação nesses contextos. Embora esta atenção se constitua como uma importante abertura para a Revista sobre EeE, simultaneamente ressalta a tensão entre, por um lado, as iniciativas de internacionalização, como a própria revista, e, por outro lado, as respostas nacionais, voltadas para o as iniciativas endógenas de quem se sente excluído da economia e cidadania globais. A maioria das populações descritas nos artigos desta edição vivem na periferia do mundo globalizado, onde enfrentam desigualdades, fenómenos de marginalização social e violência, desde as aldeias afetadas por conflitos no Afeganistão até à metrópole urbana de Delhi, na Índia.

Embora a Revista sobre EeE se situe ao nível no âmbito da cooperação internacional e da ação coletiva, procura reforçar as preocupações e desafios enfrentados pelas populações marginalizadas, que correm o risco de serem deixadas de fora de possíveis arranjos económicos desiguais ou ainda deixadas à margem à medida que se vão intensificando as relações de interdependência e comunicação globais. Neste contexto, a nossa expetativa é que os artigos apresentados nesta edição nos informem no sentido de melhorarmos os esforços coletivos de apoio às populações marginalizadas que vivem em conflito ou crise em qualquer parte do mundo, assim como de entendermos os fatores que podem promover sua participação e sentido de pertença na sociedade.

A Revista sobre Educação em situações de Emergência

A Revista sobre Educação em situações de Emergência, sujeita a revisão de pares, procura preencher as lacunas ao nível da investigação e políticas no domínio da Educação em situações de emergência. Partindo da tradição de trabalho colaborativos entre profissionais e académicos no âmbito deste mesmo domínio, a Revista tem como finalidade melhorar a aprendizagem nas e entre as organizações, instituições políticas e académicas, proporcionando o espaço onde uns e outros possam publicar artigos científicos rigorosos de cariz qualitativo e quantitativo e com informação recolhida através de métodos mistos, assim como notas de campo. Pretende-se com a partilha deste conhecimento informar práticas e políticas e estimular o debate.

Mais ainda, a Revista procura facilitar o acesso a ideias e evidências necessárias à fundamentação da conceção de programas de EeE, formulação de políticas, atribuição de financiamento, definição de programas académicos e programas de investigação futura.

Esta publicação propõe-se a:

  • Estimular investigação e debate sobre EeE no sentido de construir evidências e conhecimento coletivo neste âmbito.
  • Promover a aprendizagem entre organizações responsáveis pela implementação e instituições académicas e políticas, com base em evidências.
  • Identificar as lacunas de conhecimento e tendências-chave no domínio da EeE, fundamentando investigação futura.
  • Publicar trabalho académico e prático rigoroso, estabelecendo requisitos de evidências no terreno.

No sentido de atingir estes objetivos, a Revista sobre EeE procura reunir artigos que digam respeito a questões relacionadas com a educação em países e regiões afetadas por situações de crise e conflito, da autoria de académicos e profissionais ao nível do terreno que trabalhem em diferentes disciplinas e sectores.

A equipa da Revista sobre EeE trabalha de perto com a INEE, uma rede constituída por mais de 12 500 membros espalhados por todo o mundo, no sentido de reunir artigos e notas de campo, assim como disseminar o trabalho publicado. Esta vasta parceria entre ativistas, académicos, decisores políticos e profissionais de educação no terreno, fortalece o contributo que a Revista pode dar neste campo.

A Revista da INEE sobre Educação em situações de Emergência pode ser descarregada gratuitamente na página oficial da INEE (apenas disponível em inglês). Os resumos dos artigos da segunda edição podem ser consultados em português abaixo nesta página.

Convidamo-lo/a a si a juntar-se a esta iniciativa e a contribuir com o seu conhecimento em futuras edições da publicação. Acreditamos que através desta revista podemos alavancar os estudos no âmbito da Educação em situações de Emergência, assim como alargar e fortalecer a EeE enquanto movimento social.

Temas e Conteúdos

Pretende-se publicar a Revista on-line, duas vezes por ano. Cada edição incluirá 4 a 6 artigos, sujeitos a revisão de pares de autoria de investigadores e profissionais de educação em situações de emergência. A Revista é composta por três secções:

  1. Artigos de investigação sobre Educação em situações de Emergência (secção 1): os artigos desta seção devem seguir um desenho metodológico de investigação rigoroso; de acordo com um enquadramento conceptual ou teórico conhecido, ou um novo que possa estar a ser desenvolvido; e ainda que contribuam para a recolha de evidências e conhecimento avançado sobre Educação em situações de Emergência. Os artigos podem ser de base qualitativa, quantitativa e com recursos a métodos mistos.
  2. Notas de Campo sobre Educação em situações de Emergência: as notas desta secção devem demonstrar os progressos e/ou desafios no desenho, implementação, monitoria e avaliação de políticas e programas de Educação em situações de Emergência; assim como observações e/ou comentários sobre iniciativas de investigação existentes. As notas devem ser da autora de equipas de profissionais ou investigadores no terreno.
  3. Recensões de publicações/livros sobre Educação em situações de Emergência: as entradas desta secção devem corresponder a uma análise crítica de publicações recentes ou por publicar, assim como estudos, avaliações, meta-análises, documentários, entre outros, relacionadas com Educação em situações de Emergência.

 

RESUMOS - Volume 2 da Revista sobre Educação em situações de Emergência

PROCURANDO O CAMINHO A SEGUIR: CONCETUALIZANDO A SUSTENTABILIDADE EM ESCOLAS COMUNITÁRIAS NO AFEGANISTÃO
Michelle J. Bellino, Bibi-Zuhra Faizi e Nirali Mehta

Os modelos educativos comunitários ganharam reconhecimento em diversos contextos na medida em que procuram suprimir lacunas ao nível do acesso, e conceber oportunidades de aprendizagem culturalmente relevantes e rentáveis junto de comunidades marginalizadas. Em contextos de conflito prolongado, como é o caso do Afeganistão, estes modelos compensam a fraca capacidade do Estado, fomentando o envolvimento e o apoio da comunidade. Este artigo toma em consideração o impacto dos modelos das escolas comunitárias a partir das vozes dos atores educativos e comunitários do Afeganistão, reunidas por meio de entrevistas e da observação com pais, professores, alunos, educadores e shuras (conselheiros) escolares em oito comunidades de duas províncias. Num contexto de contínua insegurança, escassez de recursos e projeções incertas para o futuro governo e apoio das ONG, as conceções de sustentabilidade emergem saliente, mas mal definidas e como falta de um entendimento comum entre as partes interessadas sobre os propósitos e as perspetivas a longo prazo dos modelos de escolas comunitárias. Assim, argumentamos que o sucesso destes modelos varia em função de como os vários atores definem a sustentabilidade e o que é que o modelo procura sustentar.

O estudo no qual se baseia este artigo destaca três dimensões da sustentabilidade: (1) relato na primeira pessoa de mudança de atitude em relação à educação, (2) decisões sobre a transição dos alunos das escolas comunitárias para as escolas do governo, e (3) indicadores emergentes do sentido de propriedade da comunidade relativamente às suas escolas. Entre o mapeamento destas atitudes, ações e iniciativas sustentáveis, a educação de qualidade vai se posicionando como um mecanismo para o compromisso comunitário de longo prazo. No entanto, o aumento do interesse da comunidade e da capacidade de sustentar os modelos educativos comunitários está desalinhada com a abordagem política atual, que antecipa a eventual transferência das escolas comunitárias da comunidade para o governo.

 

DEIXARIA A SUA FILHA IR À ESCOLA? NORMAS, VIOLÊNCIA E EDUCAÇÃO DAS MENINAS EM URUZGAN, AFEGANISTÃO
Dana Burde e Jehanzaib Khan

O acesso de todas as crianças no mundo à educação é apoiado por um conjunto de normas internacionais de direitos humanos. Apesar deste compromisso abrangente, alguns atores internacionais ainda se questionam se a promoção do acesso à educação para as meninas pode estar em conflito com atitudes, valores ou costumes locais dominantes. Recorrendo a dados estratificados recolhidos através de questionários e dados de entrevistas qualitativas complementares, o estudo ao qual o artigo diz respeito explora as razões pelas quais os pais escolhem enviar os seus meninos e meninas para a escola em Uruzgan, no Afeganistão, o que os impede de o fazer e que tensões normativas surgem quando tomam essas decisões.

Os nossos dados mostram, em primeiro lugar, que atribuir valor à educação dos meninos não é suficiente para levar os pais a matriculá-los na escola; os pais também devem perceber que educar os seus filhos terá retornos futuros, priorizando assim diagnósticos pragmáticos e não o valor normativo. No entanto, aqueles que enviam os meninos e meninas para a escola são mais propensos a priorizar o valor normativo da educação. Em segundo lugar, os dados mostram que os pais que relatam ter experienciado ou ter conhecimento pessoal de um maior número de ataques contra a educação são menos propensos a deixarem os seus filhos irem à escola.

Finalmente, demonstramos que as lutas normativas sobre a educação das meninas acontecem sobretudo no seio da comunidade local e da sociedade e não entre as organizações estrangeiras e a população local. Independentemente do nível de educação, homens e mulheres citam os princípios do Islão como uma motivação fundamental para a educação de meninas e meninos. Embora alguns descrevam a educação como um direito humano, dizem que o Islão é a fonte desses direitos e não as organizações ou instituições ocidentais. O maior desafio para os profissionais de resposta humanitária é, portanto, pragmático (enquanto garantia de segurança) e não normativo (para promover crenças sobre a pertinência da educação).

 

RESILIÊNCIA DOS ALUNOS LGBTQIA NOS CAMPUS DE DÉLI
Anjali Krishan, Apurva Rastogi, Suneeta Singh

Neste artigo, documentamos os mecanismos que os estudantes LGBTQIA[1] usam para lidar com a discriminação de que são alvo nos campus universitários em Déli, na Índia, na sequência da decisão da Suprema Tribunal da Índia a 11 de dezembro de 2013, na qual se voltou a criminalizar a homossexualidade no país. Através da aplicação de uma abordagem de investigação de resiliência, o nosso estudo revelou que os estudantes LGBTQIA estão presos a um contexto de adversidade e discriminação que os leva a lutar para alcançar o resultado desejado: a aceitação de sua identidade LGBTQIA. Estes estudantes usam estratégias quer de resiliência protetora, quer promotora, com o intuito de alcançar o resultado desejado, mas esses esforços representam um custo alto suportado tanto pelos estudantes a título individual quanto pela própria comunidade LGBTQIA. Assim, as estratégias de resiliência não têm necessariamente melhorado o ambiente adverso nos estabelecimentos de ensino superior de Déli, extremamente homofóbicos. Neste artigo, identificamos quais as estratégias que, mais provavelmente, levarão a mudanças positivas e duradouras.

                                                       

UMA ESCOLA DEBAIXO DE FOGO: A NÉVOA DA PRÁTICA EDUCATIVA EM TEMPO DE GUERRA
Kathe Jervis

Este artigo explora uma nota de rodapé pouco conhecida na história da ocupação militar do Iraque pelos EUA. Em meados de 2007, quando a guerra no Iraque estava no seu auge, a autora aceitou uma proposta profissional para documentar o início de uma escola planeada e gerida pelo exército dos EUA no Iraque. Embora esta escola fosse, em muitos aspetos, como qualquer outra, em última análise, cada aspeto estava condicionado pelo seu contexto singular: era uma escola para jovens iraquianos capturados na guerra. A autora documentou a situação dos adolescentes detidos que frequentam esta escola administrada pelos militares dos EUA e descreveu seu programa educativo. A recolha de dados incluiu conversas semiestruturadas e informais com os detidos, os seus professores, os seus guardas e aqueles que na hierarquia militar tomaram decisões sobre a escola e seu currículo; a autora realizou também extensas observações em contexto de sala de aula. A análise de documentos incluiu documentos como horários escolares, trabalhos escritos dos alunos e trabalhos artísticos, assim como as suas avaliações. A autora reuniu informações para dar a conhecer aos decisores os elementos ausentes do programa escolar, para levantar questões sobre os textos e os materiais e ainda formular ideias sobre a forma como a escola se desenvolvia. Este artigo, adaptado das notas de campo que a autora manteve como parte da sua missão, levanta questões sobre o papel dos militares dos EUA na educação dos jovens iraquianos detidos e descreve a vida quotidiana na escola.

                        

INTERVENÇÃO COMUNITÁRIA EM SITUAÇÃO DE CRISE: LIÇÕES APRENDIDAS A PARTIR DE UMA ABORDAGEM PSICOSSOCIAL E FOCADA NO TRAUMA EM ESCOLAS DE GAZA
Jon-Håkon Schultz, Laura Marshall, Helen Norheim e Karam Al-Shanti

Planear a educação em respostas de emergência que correspondam às necessidades locais, sejam sensíveis à cultura local, se baseiem em diretrizes internacionais para boas práticas e que usem métodos de investigação, é um desafio complexo. Este artigo apresenta as lições aprendidas com a implementação do Programa de Melhoria da Aprendizagem [Better Learning Program], uma resposta escolar em Gaza que combinou abordagens psicossociais e abordagens com base no trauma, e procura discutir as formas de incorporação das diretrizes internacionais. A intervenção do Programa de Melhoria da Aprendizagem foi concebida como uma abordagem parcialmente manual[2] e aplicada a diferentes níveis de ensino no sentido de ajudar os professores, conselheiros escolares e pais a capacitar as crianças com estratégias de relaxamento e autorregulação. A abordagem por etapas abrangeu, numa primeira fase todos os alunos e, em seguida, os alunos que relataram ter pesadelos e distúrbios do sono. O objetivo era ajudar esses alunos a recuperar a capacidade perdida de aprendizagem e fortalecer a resiliência dentro da comunidade escolar.  A intervenção foi implementada em 40 escolas ao longo de dois anos e meio, com um grupo-alvo de 35000 alunos. Os professores e conselheiros escolares relataram que a abordagem combinada entre a resposta psicossocial e a focada no trauma era compatível com suas perspetivas educativas. A abordagem pareceu apoiar os professores a serem mais proativos quando ensinavam alunos afetados pela guerra. Este artigo é concluído com as reflexões e lições aprendidas.